terça-feira, 30 de agosto de 2016

A Formação na e para a Vida Religiosa: orientações para uma construção permanente.

Ao refletimos, na Contemporaneidade, sobre a Vida Religiosa, podemos observar um elemento fundamental, que, apesar de nem sempre ter feito parte das questões principais sobre o itinerário religioso, atualmente contribui significativamente para delinear de modo claro, consciente e autônomo, a vida, os desafios e a identidade religiosa, enquanto tal, assim como tal elemento é utilíssimo para amadurecer progressivamente a missão religiosa evangélica e seus fundamentos cristológicos. Esse elemento de singular importância, já apresente no sexto capítulo do Documento de Aparecida (2017, p. 113-155), é a formação. E aqui tal questão não se reduz somente em observamos a formação enquanto processo introdutório a Vida Religiosa até a consagração, onde se professa os votos evangélicos (como juridicamente e espiritualmente se faz), mas também enquanto percurso, amadurecimento espiritual-humano de vida, anterior à formação propriamente religiosa, durante esta e posteriormente. Daí formação permanente ou, categoricamente dizendo, formação na pré-consagração, durante, e na pós- consagração, é a questão em discussão.

A primeira coisa que evidenciamos na formação é o seu estado inicial, que não se dá quando a pessoa, seguidora de Jesus Cristo, ingressa no seminário, ou casa de formação. Mas em um momento anterior, que muitas vezes passa despercebido do processo de formação. Falamos, na realidade, da formação ou aspiração para a Vida Religiosa que de fato acontece desde da realização do primeiro sacramento da Iniciação a Vida Cristã, o batismo, ou até, vale dizer, desde a experiência de vida de fé-religiosa-espiritual-sacramental e social de uma paróquia e comunidade local, Católica Cristã. É neste local que inicia-se potencialmente a aspiração para a Vida Religiosa. Nesse aspecto o Documento de Aparecida testemunha, infelizmente, aquilo que fez parte de nossa formação potencial para a Vida Religiosa, isto é, no processo de iniciação à Vida Cristã: “[uma] alta porcentagem de católicos sem a consciência de sua missão de ser sal e fermento no mundo, com identidade cristã fraca e vulnerável” (Ibidem, p.134).

Apesar de termos uma “‘rica e profunda religiosidade popular, na qual aparece a alma dos povos latino-americano’, [...] como ‘o precioso tesouro da Igreja Católica na América Latina” (Ibidem, p.120), é preciso um amadurecimento maior, uma profundidade constante bíblico-evangélica, sacramental e testemunhal na Igreja e para a sociedade. Neste sentido, se não se tem uma formação cristã adequada e madura nas paroquias, nas áreas missionárias e de atuação da Igreja, que ofereça para o povo leigo uma “formação integral, querigmática e permanente”(Ibidem, p. 130), então continuaremos a ter maiores desafios com as pessoas aspirantes a Vida Religiosa no processo de formação.

Vemos, portanto, que uma parcela das dificuldades que tivemos e teremos na formação religiosa está no início da vida cristã, nas bases fundamentais onde tudo começou: nas paróquias (missionárias?), nas comunidade de base e nas famílias de tais locais. Uma das orientações favoráveis e útil na promoção e maturidade da Vida Religiosa, que o documento nos propõe, é a reanimação da formação nas pequenas comunidades, “pois nelas temos uma fonte segura de vocações ao sacerdócio, à vida religiosa e à vida leiga com especial dedicação ao apostolado” (Ibidem, p.142). Daí, para sanarmos uma parcela dos desafios que temos na formação religiosa de consagrado(a) é necessário um trabalho conjunto e em relação dialogal com as outras opções de vida Cristã, pois é deste ambiente que, surgem as vocações Religiosas.

Apesar de percebermos tais lacunas nas bases da vida cristã, estas, até certo ponto, podem interferir, dificultar e prejudicar o itinerário e objetivo da formação religiosa propriamente dita. Todavia, não sem dificuldades e com uma exigência ainda maior na formação introdutória a Vida Religiosa, ainda é possível, até certo ponto, oferecer boa parte desses elementos que faltou na vida cristã em comunidade, para podermos despertar, nas pessoas que aspira a Vida Religiosa, condições favoráveis a fim de que estas pessoas possam encontrar, identificar e amadurecer sua vocação específica, ou propriamente Religiosa. Porém para tal intento se necessita tanto de uma paciente e persistente formação básica, assim como um esforço e abertura de quem aspira a Vida Religiosa, no processo de formação.

Uma exigência que se faz necessária, nos tempos atuais, é a pastoral vocacional. Pois esta é o passo inicial mais decisivo para orientar e promover bons frutos de vocações para Vida Religiosa, dentre outros modos de vida Cristã. É importante perceber que esta pastoral não deve ser orientada como algo exclusivo e monopolizado de um grupo de pessoas, mas deve se expandir com a colaboração e participação de todos. E nesse sentido, tantos as famílias, como as diversas pastorais, o clero (sacerdotes e bispos) e religiosos, devem estar envolvido e contribuir para o desabrochar e amadurecimento das diversas vocações, incluindo a que nos toca particularmente. Segundo o Documento sustenta sobre isso:

No que se refere à formação dos discípulos e missionários de Cristo, ocupa lugar particular a pastoral vocacional, que acompanha cuidadosamente todos os que o Senhor chama a servir à Igreja no sacerdócio, na vida consagrada ou no estado laico. A pastoral vocacional que é responsabilidade de todos, começa na família e continua na comunidade cristã, deve dirigir-se às crianças e especialmente aos jovens para ajudá-los a descobrir o sentido da vida e projeto que Deus tem para cada um, acompanhando-os em seu processo de discernimento. (Ibidem, p.144)

Desse ponto de vista constitui um desafio atual uma pastoral vocacional que seja, “fruto de uma sólida pastoral de conjunto, nas famílias, na paróquia, nas escolas católicas e nas demais instituições eclesiais” (Ibidem.). Se tivermos uma pastoral vocacional que integre, dialogue e faça comunhão com as diversas pastorais locais e os diversos membros que compõe a área de trabalhos religioso, teremos mais frutos para Vida Religiosa. Nesse sentido, os meios de comunicação, eventos e formação, dentre outras iniciativas vocacionais, são de importante contribuição para despertar os nossos jovens de diversas idades para a Vida Religiosa, assim como para outras atuações pastorais e missionárias, que envolvam essa forma de vida.

Porém, outra consideração se faz necessária, agora, na formação propriamente religiosa, isto é, no período de formação nos seminários ou casas religiosas. É fundamental percebermos que por formação religiosa não se pode entender as “fases” ou as “estruturas” de “preparação para a Vida Religiosa, de um modo distinto e radical de vida. Entender a formação como um espaço, uma casa, uma estrutura, ou uma participação nas atividade que a casa de formação promove é reduzir a amplitude, profundidade e o belo objetivo da Vida Religiosa: experimentar, experienciar e testemunhar na comunidade religiosa (e para o mundo) a radicalidade do seguimento, identificação, serviço e doação à Deus Uno e Trino. A experiência de Jesus nazareno com seus discípulos demonstram que o projeto de radicalidade e seguimento a Ele é mais do que estruturas, tempo determinado, ou delimitado, e funções práticas. As casas, os seminários, as estruturas e as dinâmicas da formação são meios pelos quais é preciso o jovem, ou a pessoa, dar uma resposta concreta a Vida Religiosa. Portanto, todos os instrumentos da formação (casas, estudos, orações, lazer, pastoral, etc.) não possuem fim em si mesmo, mas devem promover o ser religioso radicado no amor a Cristo e no seu serviço profético-evangélico.

Constatado que a formação na Vida Religiosa é um processo, que antecede a entrada para os seminários ou casas de formação religiosa, é relevante observar de modo geral as etapas da formação. Cada etapa pode ter sua especificidade quanto a prioridade do ser vivido e experienciado em comunidade. Porém, podemos considerar alguns pontos essenciais que devem perpassar todo o processo de formação. Primeiro: a necessidade de uma progressiva experiência, clareza e maturidade de fé cristológica e trinitária. Esse é o elemento mais  significativo na vida Cristã e principalmente na Vida Religiosa. Pois se assenta no aspecto querigmático da Boa nova de Jesus, do Reino do Pai. Para tal experiência é importante não confundir a finalidade da formação com outros instrumentos que possibilitam essa experiência (as orações, as festas pastorais, as celebrações litúrgicas e as devoções populares). Todas elas são importantes, porém devem nos conduzir à uma experiência intima, profunda, testemunhal e verdadeira com Cristo, que está na Eucaristia, no nosso próximo e se estende até onde o Espírito bem quiser. Daí uma pergunta fundamental: nossos instrumentos oracionais, nossas festas e ações evangélicas estão nos levando e conduzindo a experimentar Cristo na Vida?!

Outro elemento que possui tamanho valor e contributo para experiência e testemunho de fé é o aspecto humanitário. Daí todos os instrumentos utilizados na formação (psicologia, sociologia, filosofia, teologia, formação técnica, etc) precisam contribuir para nossa humanidade. Tal humanidade deve ser bem explorada e aprofundada, nas suas diversas áreas. Porém, essa necessidade deve ter em vista uma preparação para orientar a pessoa aspirante para um caminho fundamental: a Vida Religiosa, e não outro. Daí duas questões são fundamentais: as etapas de formação e seus instrumentos formativos estão contribuindo para a humanização dos aspirantes a vida religiosa? Essa humanização está orientada para opção fundamental de Vida?  

O último elemento desse processo é o menos explorado, na Vida Religiosa, porém, podemos considerar como relevante para identidade, vida e missão religiosa: a compreensão e integração sócio-cultural-política com a sociedade. É fundamental para os aspirantes estarem situados nas questões principais do seu tempo. Pois tais elementos da realidade vão exigir deles, e de todos nós, uma postura. Não é mais possível no tempo atual estar aquém da nossa realidade histórica e do seu clamor por salvação. Logo, dos futuros religiosos (as) serão exigido (a) uma ação profético-redentora, como sal da terra, para a realidade contemporânea, e luz do mundo, no tempo presente. Seria um erro observar, no processo de formação religiosa, os três elementos citados de modo separados. Pois os três precisam convergir e se integrar para uma formação integral. Na verdade uma forma de avaliar qualquer um dos três pontos seria nessa relação conjunta, uma vez que uma experiência de fé-espiritual-cristocêntrica verdadeira implica a realização plena do humano e um testemunho atualizado e condizente com seu tempo. Cristo é esse exemplo. 

Outra interrogação pertinente está no âmbito de todo o processo inicial de formação pré-consagração, isto é, nas etapas de formação antes dos votos perpétuos, na identidade particular religiosa e na finalidade desta: os nossos locais de formação, espaços, estruturas, pastorais e movimento dinâmico formativo estão contribuindo para o ser e agir religioso, de modo diferente e distinto das outras instituições empresariais e outras formas de vida cristã? Essa interrogação tem em vista um problema que encontramos ainda hoje: os riscos de tratar e conceber a Vida Religiosa como qualquer outra vida laica ou até não católica, e, também, o perigo de um acolhimento, sem discernimento, das mudanças que acontecem no tempo presente com o secularismo, o relativismo e o hedonismo. Um desses sinais que pode desfigura a identidade religiosa é o excesso do institucionalismo (ao modelo das empresas). É triste encontrar casas de formação religiosa, e as vezes até dinâmica pessoais de vida religiosa que mais parecem setor empresarial, robusto de formalismo legalistas e profissionalismo evangélico, contrário a essência fundamental da vocação e Vida Religiosa: a vocação, a vida de fé, de comunidade testemunhal e querigmática do Redentor. Conforme comenta o Pe. Giuseppe Colombero na Vida religiosa Consagrada: da convivência à fraternidade (2007, p.11), é frequente “encontrarmos religiosos [...] com excelente competência em áreas profissionais, mas com lacunas evidentes na sociabilidades, ótimos professores ou enfermeiras [...], mas incapazes de ter uma vida verdadeiramente participativa nas suas comunidades”. Precisamos tomar o cuidado para não transformar a formação em uma promotora diplomática e legalista da religião cristã.

Para ilustrar alguns desses efeitos problemáticos que podemos ter na Vida Religiosa, com um modelo formativo imaturo, em que se destaca mais o aspecto institucional-empresarial do que religioso, destacamos o caso do mundanismo espiritual denunciado pelo Papa Francisco na Evangelii Gaudium (2013, p.80-81):

Este obscuro mundanismo manifesta-se em muitas atitudes, aparentemente opostas, mas com a mesma pretensão de ‘dominar o espaço da Igreja’. Em alguns há o cuidado exibicionista da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas não se preocupam que o Evangelho adquira uma real inserção no povo fiel de Deus e nas necessidades concretas da história. Assim a vida da Igreja transforma-se numa peça de museu ou numa possessão de poucos. [...] Também se pode traduzir em várias formas de se apresentar a si mesmo envolvido numa densa vida social de viagens, reuniões, jantares, recepções. Ou então se desdobra em um funcionalismo empresarial carregado de estatísticas, planificações e avaliações, onde o principal beneficiário não é o povo de Deus, mas a organização.

Tais elementos do mundanismo espiritual também tem sua contribuição por um processo de formação inadequado ao qual pode se inserir a pessoa aspirante a Vida Religiosa. Daí é importante perceber e direcionar a orientação e os instrumentos formativos para a essência da identidade religiosa, onde se acentua a vida em vista do mistério trinitário, do testemunho pessoal, comunitário e da evangelização profética, mais do que o institucionalíssimo. Neste sentido é preciso rever se a estrutura formativa está promovendo o ser religioso ou profissionais do sagrado. Pois a Vida Religiosa implica um modo de ser, uma comunhão, uma ação pastoral-missionária e expressividade a partir de quem mais nos importa, isto é, a quem decidimos entregar, doar e dedicar toda a nossa vida evangelicamente: Jesus Cristo.

Outro elemento fundamental para nos orientar na formação religiosa é o carisma da Congregação ou Ordem, dentre outras expressões de Vida Religiosa. Na história religiosa muito se confundiu a nossa identidade com as ações específicas sociais que fazíamos, como criar hospitais, construir colégios e desenvolver um trabalho de assistência social aos mais carentes. Daí tivemos um erro de reduzir a caridade religiosa à sua identidade, quando na verdade o caminho era oposto, isto é, constar que a caridade evangélica é fruto da identidade religiosa. As obras de caridade são frutos do Espírito em muito valiosas nos tempos atuais, porém hoje é preciso continuar o testemunho profético de um modo renovado e até diferencial, se preciso for. A retomada para as fontes do carisma, junto a experiência de fé e vida dos fundadores, que o Concílio Vaticano nos convidou a realizar (CONCILIO VATICANO II,2007, p. 302) é fundamental para encontrarmos com o nosso percurso originário, nossa identidade religiosa e nossa missão de continuar atualizando o carisma nas condições atuais, sem um reducionismo a práticas sociais caritativas. Porém, também é na retomada e clareza do carisma que encontramos o norte para a formação religiosa.

Toda a nossa formação religiosa deve estar orientada para um único horizonte, como membro do corpo Igreja: a identidade carismática própria do ser religioso e do exercício da missão enquanto religioso. Daí precisa-se observar se os nossos elementos da e para formação estão se orientando por tal dinâmica. Se as atividades, as funções, os cargos, os trabalhos pastorais e a formação humana-espiritual-afetivo sexual, social e política estão concordando, sustentando e completando a forma carismática de vida e testemunho religioso. Para esclarecer mais sobre a orientação da formação, é importante considerar a área missionária de atuação de cada Congregação, Ordem ou Instituto religioso. Isso é tão fundamental, pois até certo ponto, são as necessidades de nossas áreas missionárias, no seu contexto-sócio-político-cultural, que orientam e possibilitam a atualização do carisma religioso e as adaptações necessárias para o processo de formação, já acenado pelo Concilio Vaticano II (CONCILIO VATICANO II, 2007, p.303). A experiência da forma como viveu Jesus Cristo-pobre, casto e obediente ao Pai- só tem sentido em vista do projeto carismático do Pai (a salvação da humanidade, e de modo preferencial os pobres), e do clamor da situação histórico-espiritual-contextual humana (o legalismo, o fechamento, a monopolização e privilégio da casta religiosa, e a situação de abandono, desprezo e exclusão dos pobres e miseráveis da sociedade). Daí é fundamental se considerar a especificidade do carisma, da caminhada religiosa e da área missionária para traçar-se os instrumentos necessários da formação religiosa, pois esses três elementos precisam estar em harmonia.

Uma questão que urge atualmente é a reestruturação do processo formativo. Se antes se tinha modelos tradicionais de formação com suas estruturas objetivas, radicais e exigentes, onde tudo não se podia, onde tudo era pecado e o formador era a voz de Deus, hoje podemos ver que não é possível utilizar o mesmo modelo tradicional de formação. Isso porque os modelos antigos e essa forma de conduta não atrai, não estimula e não conquista os jovens atuais para a Vida Religiosa. Não se coloca remendos velhos em panos novos. Podemos perceber que temos um perfil de jovens (homens e mulheres) que aspiram a Vida Religiosa, mais informatizados, mais técnicos e mais críticos. Por isso é visível atualmente as nossas estruturas formativas serem questionadas sobre sua validade, identidade e testemunho religioso. Isso pode ser útil para refletimos o modo como está sendo conduzida as estruturas formativas e que coisas precisam ser mudadas, atualizadas e melhoradas. Daí é preciso uma revisão sobre os modelos utilizados no processo de formação, considerando as etapas no seu todo. Alguns elementos que possuem particular atenção na formação inicial, como em todo o processo, é acenado no Documento de Aparecida (2007, p.145):

O tempo da [...] formação é uma etapa onde os futuros presbíteros [e religiosos] compartilham a vida, a exemplo da comunidade apostólica ao redor do Cristo Ressuscitado: oram juntos, celebram a mesma liturgia que culmina na Eucaristia, a partir da Palavra de Deus recebem os ensinamentos que vão iluminando sua mente e modelando seu coração para o exercício da caridade fraterna e da justiça, prestam serviços pastorais periodicamente a diversas comunidades, preparando-se assim para viver uma sólida espiritualidade de comunhão com Cristo Pastor e docilidade à ação do Espírito Santo, convertendo-se em sinal pessoal e atrativo de Cristo no mundo, segundo o caminho de santidade [...]. 
  
Se antes se tinha um perfil mais homogêneo de jovens para a Vida Religiosa, atualmente temos uma diversidade e pluralidade de perfis que precisam ser considerados no processo, nos métodos e instrumentos de introdução a Vida Religiosa. Se até então se contemplou quatro dimensões da formação religiosa, a saber, a “dimensão humana comunitária, espiritual, intelectual, [...] e pastoral-missionária” (Ibidem, p. 131), hoje precisamos fazer uma atualização, ressignificação e reconstrução, tanto desses conteúdos formativos como dos outros instrumentos utilizados nas dimensões formativas. Isso é pertinente porque os sinais dos tempos exige respostas compatíveis de um modo evangélico renovado. Uma formação que produza “a comunhão” com os diversos perfis dos jovens para a Vida Religiosa é necessária. Não se trata, portanto, de uma abertura sem discernimento para as novas realidades que se apresentam nos perfis de jovens que temos, mas de uma formação que promova na diversidade de culturas, espiritualidades e linhas religiosas uma direção fundamental para o carisma específico da Vida Religiosa, e a apreciação de seus princípios essências que precisam tocar todas as realidades possíveis. 

Por outro lado, a diversidades de dons, modos de vida e perfis que encontramos nos candidatos para a Vida Religiosa não pode ser visto como problema, mas como possibilidade de contribuição para a identidade carismática e missionária de cada Congregação, Instituto, Ordem ou qualquer modo de Vida Religiosa.  Trata-se, portanto, de uma busca de unidade na diversidade, e da contribuição da diversidade para a identidade da unidade na Vida Religiosa. Essa experiência é demonstrada pelo próprio mistério que celebramos: a Santíssima Trindade.

Também, no processo de iniciação a Vida Religiosa, é importante, considerar a autonomia e expressividade de quem aspira à essa caminhada, tanto aos mais expressivos, quanto aos menos. Pois quando não se promove espaço para tais coisas, corresse o risco de se ter um processo aparente de formação, e não um processo que deve ser assumido com toda autenticidade e reta índole. O caminho do diálogo sempre é necessário, com a liberdade, respeito e autonomia devida.  Outro elemento significativo que precisa acontecer no processo de formação é a promoção dos diversos, talentos, dons e habilidades que possuem ou podem até adquirir quem deseja seguir esse modo de vida. As vezes corre-se o erro de reduzir a Vida Religiosa à habilidades intelectuais e litúrgicas. Tais coisas são boas, porém é um erro reduzir a dinâmica da Vida Religiosa há isso. Há diversos caminhos complementares que podem enriquecer o carisma específico. E nesse aspecto quando não se explora tais talentos se pode perder muito no processo e na criatividade evangélica.

Por fim, três considerações tocam a formação religiosa pós-consagração, ou melhor dizendo, a Vida Religiosa propriamente dita. A primeira é a abertura para se considerar em um processo de formação continua, já acenado pelo Documento de Aparecida (2007, p.130-131). Isso é tão importante, atualizar os (as) religiosos (as) para as necessidades evangélicas do tempo presente. Infelizmente é triste e lamentável observar que há religiosos e religiosas que após realizar os votos evangélicos perpétuos se acomodar e não procuram continuar um processo que fez parte para sua iniciação a Vida Religiosa. Daí pode-se correr o grande risco de perder as pérolas preciosas tão exigidas e fundamentais para ser ter e manter viva e renovada a identidade religiosa. Uma consciência mais clara seria a de que, mesmo sendo religioso(as), precisamos ter um itinerário constante e de continuo amadurecimento religioso, na nossa vida e caminhada da congregação, instituto e ordem. E que esse itinerário só tem sua plenitude no Céu. Muitos religiosos não se atentam a isso, e geram diversos problemas e prejuízos para a comunidade religiosa a qual ele está inserido.

A segunda consideração se reporta ao testemunho evangélico religioso como principal meio de evangelização. O Papa Francisco já acenou sobre isso na carta a Vida Consagrada, onde se afirmou que: “[...] a eficácia apostólica da vida consagrada não depende da eficiência e da força dos seus meios. É a vossa vida que deve falar, uma vida na qual transparece a alegria e a beleza de viver o Evangelho e seguir a Cristo” (FRANCISCO, 2014, p.17). É triste encontrarmos com religiosos que não vivem e nem buscam, persistentemente, um ou mais desses elementos: a) uma vida fraterna, b) uma dedicação por Cristo na comunidade religiosa, c) uma consciência madura sobre a exigência dos votos na radicalidade de vida cristã, d) a alegria e satisfação por ser religioso (a), e) um testemunho mais coerente possível com sua resposta de vida, f) um amadurecimento humano-espiritual e uma vida de oração continua, g) uma ação missionária-social-profética como fruto da experiência com Cristo, h) um cuidado, respeito, envolvimento, diálogo e responsabilidade para com as pessoas de sua área missionária. Todas essas características são marcas visíveis do ser religioso, que a sociedade precisa cada vez mais. Sem esses elementos fica difícil promover uma formação e identidade religiosa verdadeira e efetiva, pois a melhor inspiração e motivação para a Vida Religiosa é o testemunho. E sem isso não se ajudar a sociedade e muito menos quem está no processo para caminhar conosco.

Por último, observamos uma necessidade de Misericórdia na Vida Religiosa. Tantos irmão caminham desalentados, abandonados e perdidos na Vida Religiosa. Isso porque não só da parte deles tiveram uma perda e descuido da sua identidade religiosa e entrega de vida radical a Cristo, mas também pelas dificuldades e entraves que alguns membros da comunidade deixaram de proporcionar, para reerguem o irmão caído. Uma vida religiosa onde não reina a solidariedade, o serviço, o diálogo, a amizade, o respeito, o companheirismo, o acolhimento, a correção fraterna, a busca pela conversão e a constante busca pelo amadurecimento no modo de vida respondido é um sinal que a presença de Cristão ainda não realizou o que devia, pelo fechamento ao projeto que não é de ninguém, mas si de Deus.  

domingo, 28 de agosto de 2016

Vida Religiosa: percursos, percalços, equilíbrio e renovação.


Isaias Mendes Barbosa.

A Vida Religiosa (VR) iniciou-se, nas raízes da história humana, por uma inquietação e busca; uma falta e necessidade de completude; uma insatisfação e desejo profundo de nova vida até então não trilhada. É a experiência e o anseio da nova criatura (2Cor 5,17) que quis emergir e brota de dentro do humano à imagem e em comunhão com o Sagrado. Foi o descontentamento com o modo cultural, social, religioso-cívico de viver de épocas remotas (nas proximidades do século IV) e, ao mesmo tempo, uma sede por novas e radicais experiências com e para Deus, renovadamente na luz da fé, que fizeram com que homens e mulheres (os ascetas, os cenobitas, os mártires e as virgens, os padres do deserto, os cônegos regulares e as ordens mendicantes, os frades menores, as ordens dos pregadores, as congregações clericais e laicais, femininas e masculinas, os institutos seculares...) até hoje trilhassem caminhos inusitados, inéditos e esperançosos, de entrega radical e particular a Deus na Vida Religiosa Consagrada (VRC). 
É de comum acordo, para Contemporaneidade, que o período bastante significativo na história da Igreja e da Vida Religiosa Consagrada foi o Concílio Vaticano II. Nos documentos do Concílio, especificadamente no VI capítulo da constituição Lumen Gentium (Cf. CONCÍLIO VATICANO, 2007, p 222-231) e no decreto Perfectae Caritatis (Ibidem, p. 301-313), pode-se observar as significativas declarações e orientações que mudaram o itinerário da Vida Religiosa Consagrada até os tempos atuais. Tal evento é tão significativo que o Papa Francisco o retoma, na Carta Apostólica às Pessoas Consagradas (2014, p. 8), afirmando que: “[...] graças ao Concílio, de fato, a vida consagrada empreendeu um fecundo caminho renovado, o qual, com suas luzes e sombras, foi um tempo de graça marcado pela presença do Espírito”. 
Pode-se dizer que esse tempo de mudaças positivas, de graças divinas, na Vida Religiosa Pós-conciliar, foi marcado por autos e baixos, prós e contras. Esse extremismo provocou duas direções perniciosas que dificultaram a renovação, o caminhar e o progresso da Vida Religiosa, a saber, a) uma orientação que estava a favor das mudanças imediatamente e sem escrúpulo de discernimento moderado, b) e outra que estava contra qualquer mudança, preferindo se sustentar exclusivamente na segurança das estruturas antigas e dos meios tradicionais de vida consagrada. Entre os antagonismos extremistas, pode-se considerar que o meio termo, o equilíbrio e a equidade foram sempre os mais razoáveis, valioso e melhores caminhos trilhados na VRC. Em meio a tais mudanças positivas e negativas que ainda hoje se repercute nesse itinerário religioso, pontua-se alguns elementos reflexivos considerados relevantes para a identidade, a dignidade, o caminhar e a finalidade da Vida Religiosa Consagrada, e algumas questões para tal seguimento.       
Se no Concílio se afirmou que a santidade era para todos, isto é, nas diversas profissões e formas de vida (Cf. CONCÍLIO VATICANO, 2007, p. 223), tal declaração, apesar de ter acarretado reações diversas na mentalidade dos (as) religiosos (as) da época, não diminuiu o valor e a importância da VRC tanto para Igreja, a qual ela faz parte, como para a Humanidade, a qual ela dá testemunho evangélico e exemplo de santidade (Ibidem, p 222). Em razão da dignidade da Vida Religiosa, “as diversas famílias religiosas desenvolveram-se, tanto para o proveito de seus membros como de todo o corpo de Cristo” (Ibidem, p.227). E de uma forma distinta, especial e radial, a VRC constituiu, e ainda se constitui um “entrega[r]-se inteiramente a Deus amado acima de tudo, ligando-se a ele e a seu serviço de maneira nova e toda especial” (Ibidem, p.228). Para destacar sua importância em meios aos diversos modos de vida e santidade o Concílio afirmou que:
A vida religiosa imita e representa para sempre na Igreja, de maneira mais direta, a forma de vida adotada pelo Filho de Deus quando veio ao mundo, cumprindo a vontade do Pai e que ele mesmo propôs aos discípulos que o queria seguir. Manifesta, de maneira toda especial, as supremas exigências do reino de Deus, que está acima de todas as coisas terrestres. Demonstra enfim, a todos os homens, a força superior do reino de Cristo e o poder infinito do Espírito Santo, que atua admiravelmente na Igreja (Ibidem, p. 229).
   
Para uma reflexão mais coerente sobre a caminhada religiosa, se observou que a herança da tradição Antiga- clássica, grega e neoplatônica- cristianizada incutiu na Idade Média uma visão ideal cristã de busca pela “perfeição”, essa herança perdurou na Vida Religiosa durante muito tempo (quem sabe até hoje?). Isso se apresenta na Lumen Gentium  quando se afirmou sobre as famílias religiosas do seguinte modo: “Essas famílias proporcionam a seus membros um apoio estável, um modo de vida firme, caminho já bastante experimentado para a busca da perfeição [...]” (Ibidem, p.228, grifo nosso). Porém, tal afirmativa “caminho experimentado para a busca da perfeição” é um erro, isto é, um ideal ilusório. Está mais que claro, nos tempos atuais, que a perfeição em si é algo impossível para o ser humano. A História da Igreja é prova de que tal escrúpulo pela “perfeição” só trousse problemas inumeráveis para o progresso, maturidade e revitalização da VRC. Neste sentido, como solução para um renovado seguimento religioso, pode-se dá ênfase assertiva àquilo que aparece nas entrelinhas do próprio documento, a saber, “[...] o amor para com Deus e para com o próximo [...]” (Ibidem, p. 229). Essa afirmativa esquecida, mas já presente na tradição dos primeiros religiosos (monges), é essencial para a identidade, caminho e missão mais radical da VR. Sobre essa postura, o Teólogo Missionário Redentorista Pe. Lourenço, na A Teologia da Vida Consagrada, afirma:
O projeto original da vida consagrada no século quarto é tão simples que chega a ser chocante. É tão evangélico que revela como esquecemos o essencial, indo atrás de tantas coisas secundárias com nossas estruturas. Os Padres do deserto, e mais tarde as primeiras comunidades religiosas, somente queriam uma coisa: viver a aliança do seu batismo numa forma radical. Mais nada! E qual é a essência dessa aliança do batismo? Ela fala de amor: amor a Deus de “todo o coração, com toda a sua alma, com todo o seu entendimento e com toda a sua força”(Dt 6, 4-9; Mc 12,28-30). [...] A segunda parte é que queremos amar ao próximo de uma forma radical (Mc 12,31) (LOURENÇO, 1999, p.18-19).

Outro ponto, no percurso religioso, que se poderia destacar como erros de caminhada foram às posturas unilaterais que se tomou, como o aspecto estritamente vertical da espiritualidade e missão da VRC. A tradição medieval e até moderna, nos seus primeiros séculos, persistiu muito na busca da santidade e salvação pela via estritamente espiritual, muitas vezes, sem a colaboração da comunidade religiosa e sem se considerar o seu aspecto humanitário. Isso foi problemático. Por outro lado no final da Modernidade, até os tempos atuais, se considerou radicalmete o aspecto humanitário da VRC, pelo aprofundamento e abertura às novas ciências humanas que surgiram, como a sociologia e a psicologia. A limitação de postura em relação a este aspecto humanitário foi a restrição do humano em detrimento do aspecto espiritual e transcendente que confugurou parte da natureza religiosa e humana. Neste sentido o problema de tais posturas unilaterais é à exclusividade e exageros, que ora valoriza um aspecto em detrimento do outro. O seguimento de Cristo Jesus (100% humano e divino) nos atesta a melhor forma de viver a vida religiosa, pelo sinal da CRUZ. Nela se observa o entrelaçamento entre dois pontos: o vertical e horizontal. O valor pelo aspecto espiritual, de fé e transcendental, e uma integração harmônica com o aspecto humanitário e suas limitações, constituem o caminhos mais plausível, necessário, renovador e progressivo para a VRC.
Uma orientação iluminante e essencial para nosso tempo, que é indicada para VRC, é “uma volta constante às fontes de toda a vida cristã, à inspiração original de cada um dos institutos religiosos e à sua adaptação às condições dos tempos que mudaram” (CONCÍLIO VATICANO, 2007, p. 302). A retomada das fontes originárias de cada Instituto possibilita para os (as) religisos (as) um reavivamento e consciência da sua própria história. Segundo acentua sobre isso, o Papa Francisco: tal percurso ajuda a “manter viva a identidade e também robustecer a unidade da família e o sentido de pertença dos seus membros” (FRANCISCO, Papa. 2014, p. 8). Não se trata, portanto, de uma arqueologia, mas de uma retomada dos elementos essenciais do carisma e o encontro de inspirações para as novas realidades contemporâneas. Outro ponto a considerar é uma renovação espiritual como elemento chave da VRC. “As adaptações às necessidades do tempo podem não resultar em nada, se não forem animadas por uma renovação espiritual, que deve ser considerada primordial em relação a tudo mais” (CONCÍLIO VATICANO, 2007, p. 303).
A reestruturação é algo que precisa se revisto na caminhada da VRC. É importante fazer um discernimento seguro e comunitário das estruturas utilizadas no modo de vida e missão religiosa. Algumas coisas, métodos e instrumentos de evangelização, não respondem mais aos tempos atuais. Todavia, não se trata de desconsiderar toda a estrutura, mas somente aquilo que não propicia o processo e progresso do carisma e não responde com testemunho profético aos tempos atuais. 
O modo de viver, orar e agir será aquele que melhor convenha às condições atuais, físicas e psíquicas de seus membros, de acordo com a índole e a natureza de cada instituto, as necessidades apostólicas, as exigências culturais e as circunstâncias sociais e econômicas; isso em toda parte, mas, de modo especial, nas missões (Ibidem.).

Sabe-se que: pelos conselhos evangélicos a vida religiosa está ordenada a fim de que todos os seus membros sigam Cristo e se unam a Deus (Ibidem, p.303). Tais votos são meios desse seguimento radical, porém, pode-se observar que os conselhos evangélicos não estão desvinculados de outros fatores fundamentais na própria vida cristã e na sua interação e testemunho profético na sociedade. O que a tradição anterior ao concílio Vaticano II observou sobre os conselhos evangélicos não respondeu definitivamente as questões surgidas na Modernidade e Contemporaneidade. E no pós-Concilio, salvo progressos significativos, teve-se grandes dificuldades para ressignificar os novos horizontes e radicalidades dos votos. 
É importante perceber que se teve aprofundamento em relação aos votos, no radical seguimento de Cristo e a sua doação total para o Reino. Isso foi de inspiração magnífica. Porém, faltou e ainda falta até certo ponto, uma maturidade e abertura para com outros elementos essenciais da Vida Religiosa como, a vida de fraternidade, a comunhão com a referida comunidade e a amizade religiosa. A fraternidade na VR é o coração da Igreja. Segundo Giuseppe Colombero (2003, p. 9), sustenta:
[...] é sobre esse aspecto da vida religiosa que se assenta concretamente a sua autenticidade e credibilidade. Mas é nessa área também que repousa a alternativa de sermos felizes ou infelizes, de fruirmos o sentimento prazeroso de ter feito a escolha certa, entrando num instituto religioso, ou de ter cometido um grande erro. Há escolhas na vida sobre as quais jogamos realmente tudo.

A comunidade é o lugar decisivo para a vida religiosa. “Quem escolhe a vida consagrada decide viver com outros, seus semelhantes, numa comunidade. Como consequência, crescer na vida espiritual implica também crescer no modo de estar com os outros [...]” (Ibidem, p.11). A própria Santíssima Trindade é exemplar para se viver na a dinâmica da ‘comunhão’ em comunidade.
Todavia outro fator que auxilia não só a maturidade dos votos, como a castidade, mas também a integração e realização na própria vida pessoal e comunitária religiosa, enquanto entrega e doação de si ao projeto do Reino, é a amizade na comunidade e até entre religiosos (as) . Isso se observa como fundamental na própria experiência de Cristo que quis seus discípulos juntos de si como amigos (Jo 15, 15). Este elemento é de suma importância na sustentação e testemunho da Vida Religiosa. Portanto, 
                                                                                                                              [...] há a necessidade de cultivar amizades profundas e afetuosas com nossos coirmãos na comunidade religiosa e apostólica. A maioria já experimentou como essas amizades são preciosas. Há muita riqueza e realização humana nesses relacionamentos, em que a intimidade é até muito maior do que com nossos próprios familiares. Amamos e somos amados no contexto comunitário, que realiza toda a nossa sexualidade humana e espiritual (LOURENÇO, 1999, p.180).

É importante percebermos que tais elementos citados só têm a contribuir para maturidade e radicalidade da opção de vida do (a) consagrado (a). Atualmente poderia se observar com alegria que as outras formas de vida cristã, a saber, laical e eclesiástica, podem contribuir muito para a vida religiosa, pois até certo ponto a caminhada religiosa não está distante ou separada das outras formas de vida. Pelo contrário, a VR se frutifica, apresenta ao mundo sua identidade específica e expande seu horizonte de radicalidade à Jesus Cristo, na medida em que ela se insere e se compromete com a realidade do diferente e do distinto, de modo profético. Não se trata, portanto, de uma perda de identidade, mas de uma caminhada fraterna naquilo que toca o comum das diversas opções de vida, desafios e missões evangelizadoras. Um discernimento aprofundado e maduro, um diálogo transparente, a um equilíbrio para os limites da vida religiosa sempre é necessário para a caminhada e radicalidade do compromisso batismal e dos votos evangélicos. 
Pode-se observar que no percurso da vida religiosa, após o Concílio Vaticano II, houve alguns percalços no seguimento da VRC. Até certo tempo, tanto o ativismo missionário e apostólico, assim como, após os escândalos da Igreja, uma busca por seguranças nas estruturas fechadas da Igreja, um reducionismo religioso ao aspecto contemplativo e exclusivamente espiritual, foram formas de Vida Religiosa Consagrada que trouxeram problemas, frustações, contra testemunho profético e até desistências lamentáveis. A moderação diante dos exageros de vida é um caminho que até os tempos atuais contribui para a observância do essencial, original e fundamental da VRC. 
O último ponto a considerar no caminhar da VRC é a questão da formação preparatória. É evidente que não se tem bons (boas) religiosos (as), com um índice maduro de capacidade, sem se promover uma boa, qualificada e digna formação.  Nesse aspecto é preciso observar se o processo formativo, com suas estruturas, está auxiliando na radicalidade e maturidade da VRC. Segundo o documento de Aparecida afirma sobre isso:
A realidade atual exige de nós maior atenção aos projetos de formação dos Seminários, pois os jovens são vítimas da influência negativa da cultura pós-moderna, especialmente dos meios de comunicação, trazendo consigo a fragmentação da personalidade, a incapacidade de assumir compromissos definitivos, a ausência de maturidade humana, o enfraquecimento da identidade espiritual, entre outros, que dificultam o processo de formação de autênticos discípulos e missionários. (DOCUMENTO DE APARECIDA, 2007, p.145.).
           

Diante de lacunas que se pode encontrar atualmente e até futuramente na Vida Religiosa, se faz necessário cada vez mais um projeto formativo integral: “humano, espiritual, intelectual e pastoral, centrado em Jesus Cristo Bom Pastor” (Ibidem, p.146). E atualmente poderia se considera como necessária uma compreensão sobre a realidade estrutural, política e social, do país onde se situa a vida e atividade religiosa. No caso do Brasil, atualmente, se faz necessário uma compreensão e maturidade nesse sentido.  Tais elementos contribuem para situar a VR na sua resposta profética e radical ao Reino de Deus.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

A Consciência nos seus diversos percursos: caminhos para a civilização, realização e plenificação humana. (3ª Parte)



A necessidade da Conscientização humanitária na Contemporaneidade.

Se na Contemporaneidade fala-se do tema da “Consciência” com um certo desinteresse, ou descaso, por outro lado não se considera outro tema estritamente importante e entrelaçado a este: o tema da “Humanização”. Por isso, não há como se refletir sobre “Consciência” sem uma busca pela humanização da pessoa (VIDAL, MARCIANO, 2007, p.65). Portanto, pode-se observar a necessidade de uma orientação moral e ética sobre tal tema.
Quando no percurso histórico há um descompasso entre “Consciência” e “Humanização”, gera-se uma deformação da natureza essencial do entendimento e prática da pessoa. Isso já tinha sido profeticamente denunciado, como questionamento, pelo Papa João Paulo II, na Exortação Apostólica Reconciliatio et Paenitentia, do seguinte modo: “Não vive o homem contemporâneo sob a ameaça de um eclipse da consciência, de uma deformação da consciência e de um entorpecimento ou duma ‘anestesia’ das consciências?” (PAULO II, 1984, N.18). Tal desvio moral e ético da “Consciência” pode conduzir a pessoa a uma perca de sentido objetivo do mundo, de si, da verdade. Nesse mal direcionamento, “por falta de empenho em buscar o bem, a consciência vai se tornando cada dia mais confusa, enredada na prática do mal” (CONCILIO VATICANO II, 2007, p.481). É relevante destacar que a busca da conscientização humanitária não está desprovida do aspecto sublime da natureza humana: a espiritualidade, ou também a experiência com o transcendente.
            Após a crise da ditadura Militar, no Século XX e o explosivo desenvolvimento tecnológico-capitalista, três elementos foram e são determinantes para essa deformação da orientação fundamental da “Consciência”: o secularismo, o relativismo e o hedonismo. O primeiro abstraiu o ser humano de um elemento significativo da mentalidade humana, a saber, o aspecto espiritual-transcendental, e reduziu tal mentalidade a uma busca de realização materialista. Por sua vez, o segundo impregnou na “Consciência” uma liquidez de valores, metas, sonhos e objetivos. O hedonismo tentou abstrair as reais limitações da fragilidade, existência e natureza humana, reduzindo o objetivo da “Consciência” ao prazer desmedido.  Em suma, se inebriou certos caminhos e progressos que a “Consciência” adquiriu no seu percurso ético e nos seus princípios fundamentais até então.
Por meio dessas três posturas reacionárias a “Consciência” chegou em um estado ontológico de Crise da sua própria Identidade Humana. Segundo sustenta a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, no período dessas transformações (CONCILIO VATICANO II, 2007, p. 474): “As mudanças de mentalidade e de estrutura provocaram frequentemente uma crise de valores, especialmente entre os jovens”. Isso resultou conflitos na “Consciência”, isto é, desentendimentos entre os seres humanos, que provocou e intensificou as contradições e desequilíbrios na sociedade (Ibidem, p.475). Não se trata, portanto, de uma observação totalmente negativa das transformações que aconteceram nesse período até hoje, mas de uma crítica aos problemas que acarretaram tais correntes. Neste sentido observou-se em tal período Moderno:  
um desequilíbrio radicado no mais íntimo do coração humano. Contradições inscritas no próprio ser humano: ele se vê, por um lado, como criatura limitada, por outro, sente o ilimitado em seus desejos, por ser chamado a uma vida superior. Cercado de atrativos, tem de escolher alguns e muito renunciar. Fraco e pecador, faz muitas vezes o que não quer e não consegue fazer o que quer. Está dividido em si mesmo e provoca assim discórdias que assolam a sociedade (Ibidem, p.476).
Uma orientação favorável para a questão da “Consciência Moral e Ética” ou, se poderia dizer melhor, “Consciência Humanitária”, seria aquela apresentada na Gaudium et Spes, isto é: “focalizar os valores que se colocam hoje acima de tudo, referindo-os à sua fonte divina"(Ibidem, p.478). Junto a tal perspectiva de conscientização humanitária, seria salutar a busca intelectual pela sabedoria “que inclina interiormente o ser humano à busca e ao amor dos verdadeiros bens” (Ibidem, p.480), aqueles que humanizam e resguardam a dignidade da pessoa. A verdade sobre tais bens é possível ser encontrada no interior de cada pessoa, no coração humano, isto é, no profundo da própria “Consciência” onde cristologicamente se afirma que está Deus. “É como se fosse uma voz que lhe falasse ao coração e o chamasse a amar o bem e a praticá-lo, afastando-se do mal” (Ibidem, p.481).
Outro norte humanitário para tal busca da “Consciência” seria o bem comum, tratado pelo Papa Francisco na Laudato Si’(2015, p.128):
O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com direitos fundamentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento integral. Exige também os dispositivos de bem-estar e segurança social e o desenvolvimento de vários grupos de intermédios, aplicando o princípio da subsidiariedade.
Uma Consciência Humanitária não pode estar dissociada de sua realidade ecológica, pois na ordem dos seres, se faz necessário o cuidado com a vida nas suas diversas manifestações. Numa observação mais ampla, a ordem cósmica planetária se relacionam com os diversos seres a tal ponto equilibrar o sistema planetário, o ecossistema e até a vida da humanidade. Desprezar o sistema planetário, o ecossistema, o meio de sociabilidade, seria arruinar o ser humano na sua subsistência. Para tanto uma “Consciência” esclarecida precisa estar atenta na sua relação com o meio em que vive. “Esta responsabilidade perante a terra que é de Deus implica que o ser humano, dotado de inteligência, respeite as leis da natureza e os delicados equilíbrios entre os seres deste mundo” (FRANCISCO, 2015, p.56).

No âmbito social se faz necessário ressignificar uma “Consciência” atenta e responsável com as mudanças promovidas na estrutura de gestão e governo político-social. A corrupção nesse sistema político-governamental é um dos males que afetam drasticamente a “Consciência ética, social humana”. O resgate dos valores fundamentais da reta consciência política são fundamentais para termos mais humanização social e menos desigualdade e exploração, que gera violência, inumana, e deturpa a consciência social. O respeito, a igualdade nas relações, a solidariedade humana, a busca pela paz, a fraternidade, e a justiça que dignifica e resgata a pessoa, são caminhos necessários para que a “Consciência” retome o seu devido caminho: o bem pessoal e social pleno. Hoje mais do que nunca se necessita resgatar tais elementos, valores e orientações morais, éticas e cívicas, dentre outras, para termos uma maturidade consciencial. Por fim, para se termos maior orientação sobre esse termo e sua significativa importância na humanização das pessoas, deve-se somar, aqui, outros saberes que podem contribuir significativamente para dignidade, valorização e resgate da “Consciência Humanitária”: como a Filosofia, que a trata com instância da razão moral da pessoa; a Teologia que trata da mesma instância a partir dos pressupostos transcendentais; a Psicologia,  que aborda a “Consciência” no âmbito da identidade pessoal e a Sociologia que trata da mesma temática na esfera de expressão cultural social. Todas essas áreas pode contribuir para o percurso, desenvolvimento e progresso qualitativo da “Consciência” na sua humanização.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

A Consciência nos seus diversos percursos: caminhos para a civilização, realização e plenificação humana. (2ª Parte)


Texto para publicação no site: https://gruposocializando.wordpress.com/


A Consciência a partir da tradição bíblico-testamentária.

Na tradição bíblico testamentária encontramos os passos dessa “Consciência”. De modo geral podemos destacar três modos de “Consciência” que se manifesta no percurso e trajetória do povo de Deus.  É importante observa que na experiência religiosa cristã, desde sua tradição religiosa-hebraico-judaica, a humanidade passa por diversos estágios dessa “Consciência”, ora evoluindo, ora regredindo. Isso porque, as questões histórico-culturais, e os condicionamentos de cada época são determinantes para esse processo. Porém, apresenta-se, aqui, os pontos mais gerais e significativos dessa trajetória.
Nos escritos do primeiro testamento (Gênese e Êxodo) encontramos vários pontos significativos e determinantes da consciência humana. O primeiro é a experiência de Abraão com Deus (Gn11, 1-3). Neste aspecto a “Consciência” deslumbra um novo horizonte, de desprendimento da terra, da nação e da família. Esse desapego denota um uma nova visão de mundo que Deus quer implantar: a visão de “Povo” que caminha com Deus (Eu farei de ti um grande povo). Há uma maximização da “Consciência” a partir de uma experiência com Deus. Após esse primeiro episódio destaca-se outra personalidade bíblica, a saber, Moisés com a experiência de Deus, na sarça ardente (Ex3, 1-16). Trata-se da experiência central da tradição cristã: a Revelação de Deus.
Nesse contexto a “Consciência” atinge uma criticidade e maturidade fundamental por meio de Deus: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu grito por causa dos seus opressores; pois eu conheço as suas angustias. Por isso desci afim de libertá-lo das mãos dos egípcios”. Apesar da amplitude e progresso dessa revelação, a mentalidade desse povo ainda tateia por caminhos tortuosos. A pretensão da “Consciência” divina reveladas é para uma profunda libertação humana. Não se trata somente da liberdade da escravidão submetida à opressão de um Rei egípcio, mas de tudo aquilo que afasta a humanidade de sua verdadeira felicidade.  Por isso é que se instaura a experiência no deserto: para que o povo tome consciência de seus apegos, dependências das coisas inferiores a Deus e para que o mesmo não exceda na consciência de si, isto é, querer ser como Deus. Moisés guia o povo para essa experiência que ele mesmo experimentou com Deus. Porém, no caminho o povo sem se perceber, ou seja, sem tomar “Consciência de si”, acaba tendo dificuldade para adquirir uma Consciência madura
Nessa perspectiva e no itinerário da terra prometida e da salvação, o povo entende Deus como único, primeiro e fundamento da criação. Apesar de Deus se revelar, o Mesmo acaba sendo compreendido por muitos a partir da Consciência predominante da época, isto é, a partir da visão patriarcal e dos grandes heróis da época. Toda a compreensão do povo chega na “Consciência” limitada de entender Deus como  Aquele que Reina sobre a terra inteira (Sl47,3), de braço forte, o Senhor dos exércitos (Is 9, 6). Essa “Consciência” é própria da figura de maior valor nas famílias e tradição da época. A figura de Deus como Pai (Is 9,5). Isso não se dá tão claramente no plano conceitual, mas nos atributos de Deus, pois Ele fez a toda a criação (Gn1, 1-31) e quer conduzir seu povo (Ez36, 12). Aqui observamos alguns exageros, para o tempo atual, quanto a compreensão de Deus, pois ele é concebido com um Deus que destrói os inimigos de seu Povo, os pecadores (Am9, 1-10). É um Deus que amaldiçoa e condena os que não seguem seu caminho (Ml1,1-3). É Deus julgador e vingativo.  Esses disparates configuram a “Consciência” do povo de Deus no seu percurso inicial que responde conforme sua mentalidade os conflitos da época.
A conceituação de Deus, propriamente dita, como Pai, ou melhor dizendo, “Paizinho” é nos revelada pelo Jesus Cristo, o Filho de Deus . Em Jesus nazareno encontramos uma revolução significativa na tradição. Pois Deus não é vingativo e nem julgador implacável, mas compassivo e misericordioso (Lc6,36). É um Paizinho que é puro amor e convida seus povo, pelo seu Filho, a ser expressão radical desse amor: doação da vida pela salvação humana. Por Jesus o povo da época apreende uma nova “Consciência” de si, como dom de Deus, como Filhos-adotivos- amados do Pai (Mt6, 4), que precisam cotidianamente ser misericordioso como o Pai do Céu é misericordioso para com eles. O que Jesus nos ensinou sobre Deus foi a mais revolucionária e significativa experiência para sermos Humanos. Uma “Consciência” Humana e iluminada pela luz divina foi a contribuição mais valiosa que Jesus nos ensinou.
Nos quatro Evangelhos podemos perceber o desvelar de uma nova “Consciência” anexada com a consciência de Deus Paizinho. Trata-se daquela expressada por Jesus Cristo. A consciência do Filho de Deus encarnado na História do povo (Jo1, 14) é a grande novidade dos Evangelhos. Em Jesus não só encontramos uma chamada para a “Consciência do amor fraterno”, mas ele próprio é esse testemunho revolucionário. No projeto de redenção do Filho a natureza e “Consciência” humana atinge a sua máxima plena, ou seja, atinge o ponto fundamental, metafísico e ético: no imperativo do amor (Jo15, 12). Essa lei fundamental deve nortear a “Consciência” humana. Porém ela não se desvincula da transcendência, mas só pode manter seu curso se estiver em união e integração com a “Consciência do Paizinho”, pelo Filho. Por isso a persistente interpelação de Jesus para mantermos unidos a Ele como Ele está unido ao Pai (Jo17, 21).   É necessário observarmos que embora a exigência consciencial-prática do amor humano seja limitada, a mesma se inspira a partir da propriedade de identidade divina: o amor ágape. Isto é, Incondicional. Por meio de Cristo se esclarece a “Consciência” humana para algumas características até então esquecidas como o amor-doação, o perdão, a reconciliação, a solidariedade, a inclusão, a fraternidade, a misericórdia e a salvação, ou redenção. Tal “Consciência” tão proclamada na vida e nos ensinamentos de Jesus possui duas finalidades: tornar a sociedade plenamente Humanizante e participante do Reino do Pai. Essa é a novidade revolucionária do fato Cristo tão experimentado e testemunhado pelos seus discípulos, apóstolos e disseminada até hoje.
Por fim, podemos dizer que na História do Povo de Deus há um novo deslumbramento da “Consciência”: é a abertura ao Espírito Santo. Esse novo elemento é dito e transmitido por Jesus enquanto estava com os seus (Jo13,14), porém o momento mais significativo dessa experiência é no ‘Pentecoste’ quando o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos (At11, 15) e fez com que eles compreendessem o projeto do Pai pela vida, anuncio do Filho, e anunciassem para os que estavam presente a ação amorosa de Deus. Ora, a ação do Espírito Santo na consciência dos cristãos tem a função de esclarecer, amadurecer e encontrar o sentido imanente e transcendente da “Consciência”. Desde modo, esta, mediada por inspiração do Espírito Santo, tem a possibilidade de fazer a pessoa chegar a verdade sagrada e dignificante de si (enquanto imagem e semelhança de Deus) e alcançar os caminhos da vita beata e das verdades eternas da fé cristã. A ação do Espírito na “Consciência aberta” faz a pessoa superar as limitações do tempo e espaço, isto é, faz com que o passado seja entendido no seu significado mais sagrado e dignificante: como ação do amor de Deus na História, busca e resposta humana na mesma para a plena felicidade humana. Deste modo a consciência cristã conseguiu compreender a verdade de sua história de salvação, a partir de um fato fundamental, a presença de Jesus Cristo. O hoje foi vivenciado como realização da promessa de plena realização da “Consciência” e o futuro ficou como continua plenitude da mesma consciência, até seu fim salvífico, ou seja, até a união e contemplação eterna da VERDADE, DO AMOR E DA VIDA.   
Em suma, foi na dinâmica do povo de Deus nessa relação com o Pai, o Filho, Jesus Cristo, e o Espírito Santo, que este povo percorreu os diversos itinerário da “Consciência” e conseguiu uma profundidade, largueza e maturidade inigualável na sua história. A consciência do Pai é comprovada pelo Filho e a do Espírito Santo integra essa relação e impulsiona a todos para o que ainda estar por vir. É evidente que no Cristianismo a “Consciência cristã” teve seus percalços, deslizes, limites e defeitos, porém tais falhas da limitação humana não impediu o desenvolvimento e esclarecimentos da “Consciência”. O desafio é não perder de vista esse desenvolvimento e esclarecimento para termos uma realização mais profunda, mais humana e mais sagrada do nosso caminho e praticidade consciencial.   



A Consciência nos seus diversos percursos: caminhos para a civilização, realização e plenificação humana. (1ª Parte)

Texto para edição no site:https://gruposocializando.wordpress.com/

          Alguém já parou pra pensar: por que, na Contemporaneidade, alguns saberes são tidos como mais importante do que outros? Sem desconsidera o valor de cada saber, é no mínimo estranho encontramos no mundo midiático e no sistema educacional público um valor, quase divino, aos saberes das Ciências Exatas (Mecânica- Física- Matemática), ou derivadas, e um desprezo aos das Ciências Humanas (Filosofia-História-Sociologia-Psicologia). Em vista desta imposição preconceituosa e interesseira dos diversos meios de poder e comunicação, outra questão mais específica é surpreendente. O fato de quase não se falar de um tema tão importante e determinante para nós seres humanos: a “Consciência”.  Esta é uma questão que ainda é pouco apresentada, meditada, refletida e debatida no tempo atual. E isso sem contar que, na cultura contemporânea, esse tema é disseminado preconceituosamente, como tema estritamente religioso, alienante, ou como tema de acusação e repressão da felicidade humana. Afim de quebrar essa visão limitada e preconceituosa que se impôs na Contemporaneidade, apresenta-se alguns pontos sobre tal tema que serão apresentados em três partes consecutivas. A primeira destaca 1) A Consciência na tradição filosófica-ocidental; a segunda explana 2) A Consciência a partir da tradição bíblico-testamentária. Por fim, na última parte destacar-se-á 3) A necessidade da Conscientização humanitária na Contemporaneidade.  

A Consciência na tradição filosófico-ocidental.
Se na Grécia antiga, o conhecimento era uma dádiva humana, isso não estava dissociado de três principais áreas do conhecimento, isto é, da consciência humana de si (antropologia), da ação prática e jurídica civil (sociologia-ética) e do caráter humano (moral). Em Sócrates a “Consciência” atinge essas três funções de modo conjunto. Por isso se observa tanto a persistência o ponto antropológico do sujeito: “Conhece-te a Ti mesmo!”. Quem não buscava tomar conhecimento inter-relacionado a estas três áreas de saber, dentre outras, era considerado um “Idiota”, pois estava aquém da sociedade, da sua auto-consciência, filosófica-política e moral-ética. Para visão da época, os escravos eram uma das categorias de “Idiotas” porque não se conheciam, não pensavam, não tinham comprometimento social. Se de início o saber é destinado ao conhecimento do homem, isto é, a conciencização de si, e isso levava o mesmo há um compromisso com a realidade e sociedade, por que será que hoje não se fala de “Consciência” e nem de propriedades que a compõe?  A pior coisa que a humanidade pode fazer consigo é perder a sua “Consciência”, e principalmente, sua consciência moral, pois isso implica na perda da sua identidade. Porque será que não se quer falar mais de identidade da pessoa, enquanto ser humano, social e político?
Na tradição filosófica esse tema persiste sobre perspectivas distintas. Até nos Sofistas como Protágoras a “Consciência”, não é desprezada, mas elevada a sua potencialidade antropológica: “o homem é a medida de todas as coisas”, isto é, ele possui uma experiência interna que possibilita conhecer e definir por si mesmo a dinâmica cultural da sociedade. Platão chegou a observar a teleologia ideal humana, pela qual ele deveria reger sua consciência: o bem ideal. Aristóteles conduziu a “Consciência” para o seu caminho fundamental “o meio termo”, “o justo meio”, o equilíbrio da prática humana. Nesse percurso era possível o homem encontrar a sua eudaimonia, ou seja, a felicidade. E isso acontece por meio de uma consciência virtuosa. Da era grega clássica para a helenista temas envolvendo a "Consciência" persistem. A questão da alma, do bem, do mal, do bom, do indivíduo perpassa essa trajetória com suas particularidades. A partir desses poucos elementos constituintes da “Consciência” se poderia refletir: na realidade atual está sendo clarificado, meditado e iluminado os elementos próprios da "Consciência"? Quais valores virtuosos estão sendo cultivados, vivenciados e estimulados na sociedade?
Uma personagem mística e bastante significativa do advento da patrística é Dionísio, o qual é classificado de suposto autor da obra Livros das Causas. Arrisca-se aqui a dizer sobre tal obra, numa orientação metafísica antropológica, que a comunidade dos diversos seres estão em diversas relações, a tal ponto das inteligências compreenderem a si mesma a partir de uma integração  com a Inteligência fundamental, o Uno. O relevante seria observar que cada ser possui suas propriedades fundamentais em interação com outros seres. Dessa perspectiva poderíamos intuir que se cada “ser” é possuidor de diversas propriedades como sentidos, alma, corpo, inteligência, a “Consciência” Humana precisaria estar integrada nessa dinâmica.Ou seja, ela estaria nessa relação de comunicação e comunhão para se constituir enquanto tal.
Ora, no período Medieval, Tomas de Aquino amplifica e delineia outros elementos para a “Consciência”. As categorias virtuosas de Aristóteles são retomadas e são acrescentadas novas categorias que orientam a vida humana. As virtudes teologais como, a fé, esperança e caridade são acréscimos tratados por ele. Sua novidade se dá por apresentar duas categorias de “Consciência”: a) a que compreende a verdade na sua essência, b) e a que interage nas circunstâncias variantes da vida. Porém essa Consciência Humana consegue caminhar num percurso mais ordenado ora seguindo as normas da natureza humana ora superando os limites da natureza conforme as luzes espirituais. Apesar da “Consciência” se relaciona com outras faculdades além das sensitivas, existe nela uma finalidade teleológica que transcende a natureza humana e vai além da ordem e da perfeição. Nesse processo se insere novos elementos não tratados na Grécia antiga, isto é, o da graça, da “Consciência” conceitualmente dita, do livre arbítrio e dos dons espirituais. A finalidade da Consciência não só entra no campo contemplativo, mas deve se orientar a partir do bem Absoluto, Deus. Não se trata portanto de uma contradição ou submissão da “Consciência” Humana para com a Consciência Divina, mas de uma constatação da pura Verdade, do puro Bem, e da Vita Beata pela qual a humanidade deve encontrar, desde dentro de si. Nesse aspecto não há um fechamento, heteronomia ou aniquilamento da natureza e consciência humana, mas uma orientação mais rica e dignificante da “Consciência”, pois os seres humanos não só possuem em si sua natureza própria pela qual deve subsistir sua dignidade e subsistência da geração, mas fundamentalmente eles possuem os sinais e virtudes que superam tal estado natural e dignifica o ser humano a condição de semelhança divina.
Na Modernidade Kant ressalva um elemento significativa da “Consciência” e determinante de sua condução moral, social e até política: a razão. Esta age nas faculdades sensitivas (estéticas) e do entendimento humano para uma decisão que se impõe imperativamente, sem depender das forças das circunstâncias fenomênicas, mas a partir dos princípios irrevogáveis da razão. Da subjetividade para constituição de uma universalidade da “Consciência” é preciso se considerar o imperativo categórico, isto é, os princípios universais e necessários que deve nortear o comportamento humano para a sua autonomia e felicidade. Desse modo é possível deixar uma “Consciência” da menoridade, de fato, ou seja a dependência, para outra da maior idade, a saber, a independência e esclarecimento do sujeito consciente.
Já Em Giambattista Vico a “Consciência” não se caracteriza no campo da subjetividade e muito menos do relativismo ou individualismo. Neste pensador se verifica que a “Consciência” atinge sua verdade em conformidade com a certeza de cada época e em um nível coletivo determinado, providencialmente na história das nações desde os seus primórdios. Não é as faculdades do entendimento que determinar os passos fundantes da “Consciência”, mas as faculdades pré-reflexivas, como o engenho, a fantasia e a imaginação. Em Vico se apreende um fator diferencial da consciência de todos os povos: trata-se, portanto, dos princípios metafísicos- filológicos e filosóficos- que condicionam os povos para a sua Humanidade. Sem tais princípios esta humanidade volta ao seu estado barbárico, ou seja, inumano. Portanto, em Vico é possível um retrocesso da “Consciência”, quando ela não se orienta conforme seus princípios fundamentais. A religião, o matrimônio e a sepultura são, de modo geral, tais princípios humanizantes e da Consciencivilização da sociedade.    
Até aqui pode-se observar que o percurso da “Consciência” ganha suas propriedades significativas e expressivas a parti do itinerário fundamental que ela percorre, ora, num caminho para o conhecimento do sujeito, do compromisso comunitário, da ação em vista do bem e por práticas virtuosas, ora numa relação dialogal e comunitária, no âmbito da Vita Beata, da Racionalidade imperativa e, por último, da Humanização das nações. Em suma, observa-se os diversos graus e propriedades da “Consciência” que a cada passo se detém sobre um saber maior, um entendimento mais claro e na busca de amplificar seus passos, observar seus limites e orientar seus horizontes.