domingo, 30 de julho de 2017

Aspectos gerais de uma Teologia Fundamental



Introdução
A expressão Teologia Fundamental tem sua origem conceitual disciplinar a partir do século XX, após o Concílio Vaticano II, quando as primeiras obras publicadas pelos teólogos J. N. Ehrlich, A. Knoll, I. L Guzmics, dentre outros, utilizaram a nova nomenclatura de Teologia Fundamental (KERN, 2004, p. 756) para se reportar aos conteúdos essenciais da fé, aos elementos fundamentais e fundantes da Teologia cristã. Porém, no seu aspecto conteudista a Teologia Fundamental “nasceu da apologética clássica e de uma reflexão, feita por esta, sobre a necessidade de reformar-se, sob pena de desaparecer” (FISICHELLA, 1994, p. 949) na história. Essa reforma se deu para que a Teologia, inspirada nas verdades essenciais da fé, continuasse respondendo de modo atualizado e contínuo aos questionamentos e problemas que a sociedade lhe apresentava. Tais questionamentos foram de grande contribuição tanto para a construção de uma Teologia Fundamental, sobre a fé e vida dos cristãos na Igreja, como para a civilidade ética e humanização processual da sociedade. Se por um lado a Teologia Fundamental nasce da apologética, por outro sua inspiração se assenta nas Sagradas Escrituras ou especificadamente na Primeira Epístola de Pedro (3,15), onde ele afirma: “santificai a Cristo, o Senhor, em vossos corações, estando sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la pede”.  É partindo dessas considerações que tratamos aqui sobre o percurso da Teologia Fundamental na história da Igreja, nos seus diversos períodos de documentos conciliares, assim como na realidade da América Latina.
Categorias base da Teologia Fundamental
A Teologia Fundamental pode ser resumida categoricamente em três palavras que se inter-relacionam: Revelação, Fé e Credibilidade. A Revelação é a proposta de Deus uno e trino para o ser humano (LIBANIO, 2004, p. 13). Trata-se da verdades de Deus comunicada a nós e anunciada pelos profetas, plenamente realizada em Jesus Cristo, transmitida e continuada pela Igreja, enquanto esta é espaço que acolhe e conserva a boa nova de Deus. A Revelação se destina a salvação humana e nesse aspecto ela é uma resposta aos anseios da humanidade, às perguntas que esta tem (LIBANIO, 2004, p. 31). Sendo a Revelação essa proposta, a fé pode se defini em dois aspectos: primeiro como uma adesão à Revelação, uma acolhida do que nos é comunicado. E, por conseguinte, uma resposta de Fé (Creio) diante do revelado (LIBANIO, 2004, p. 14). Neste segundo aspecto a Fé se torna ativa, pois envolve a liberdade do ser humano para dizer “sim” com palavras e com ações ao projeto de Deus. Portanto, trata-se tanto de uma fé aberta, que contempla e acolhe a verdade de Deus (LIBANIO, 2004, p. 135), como uma fé prática, que atua no compromisso social como resposta da verdade que lhe foi revelada (LIBANIO, 2004, p. 165). A Credibilidade que a Revelação possui e que, por conseguinte, a fé confirma está em Deus mesmo. A Palavra de Deus merece fé porque é o próprio Deus que a comunica e tal verdade revelada não pode contradizer ou negar a quem nos fala: Deus. Dito de outro modo: a Revelação tem credibilidade em Deus mesmo que não pode se contradizer e nem nos enganar (DH 3017). Pelo aspecto da Credibilidade podemos perceber que a “Revelação e fé constituem uma unidade profunda” (LIBANIO, 2004, p. 14), pois tanto a Revelação como a fé são dons de Deus, assim como a Revelação implica a fé, enquanto esta se realiza mediante a Revelação divina.
Períodos históricos da Teologia Fundamental
Os conteúdos que qualificam e especificam a Teologia Fundamental foram construídos e definidos ao longo do percurso histórico da Igreja-comunidade-crente, na sua caminhada com a sociedade cívica e na sua relação com as diversas expressões religiosas e antirreligiosas que existiram em certos períodos históricos. No século I, período em que o cristianismo germina e acontece a cisão com o Judaísmo, os elementos essenciais de fé cristã se inserem com força na cultura greco-helenista. Tais elementos primários e originários da Teologia dos primeiros cristãos se apresentam nos escritos de caráter narrativo-catequético, como podemos ver nas cartas Paulinas e no livro dos Atos dos Apóstolos. Em Atos 8,26-35 podemos encontrar Felipe esclarecendo a fé cristã para o eunuco. Felipe ressalta o ponto central fé cristã como chave de leitura para explicar ao Eunico o trecho de Isaias 53,7-8: “Dirigindo-se Filipe, disse o eunuco: ‘Eu te pergunto, de quem diz isto o profeta? De si mesmo ou de outro? Abrindo então a boca, e partindo deste trecho da Escritura, Filipe anunciou-lhe a Boa Nova de Jesus”. É neste aspecto teológico-catequético que se dá o querigma fundamental da fé cristã nos seus primórdios.
No século II, a saber, da Teologia patrística, quando o cristianismo se expandia, ainda não como religião oficial do império romano, houve grandes perseguições aos primeiros cristãos. É desse contexto que a Teologia começa a se moldar com uma reflexão de fé e com o discurso intuitivo pastoral, na figura dos Padres apostólicos como Clemente, Inácio, Policarpo, e dos Padres Apologistas como Justino, Taciano e Teófilo, dentre outros. A Teologia cristã desse período ganha a base inicial com o dogma cristológico-trinitário e as práticas sacramentais (LIBANIO; MURAD, 2011, p. 110). Do século III ao VI nos situamos na fase esplendorosa da Patrística e no período de oficialização do cristianismo como religião obrigatória em Roma. É o período de heresias cristológicas e de mistura da Teologia cristã com o gnosticismo e outras correntes contrárias a doutrina cristã. A figura de Santo Agostinho, Santo Ambrósio, Leão Magno e São Jeronimo, dentre outros, marca o esforço teológico de se fazer inteligível, compreensível e racional a Teologia. Trata-se da Teologia Fundamental na sua forma apologética da fé e na sua refutação contra a heresias.
Na Idade Média que vai do século VIII ao XV a Teologia assume outras formas de organização e recursos argumentativos para uma melhor fundamentação da fé. Neste período os comentários das Escrituras se tornam um dos pontos fortes da Teologia. Os escritos aristotélicos influenciam a forma como a Teologia se fundamenta, isto é, pelo instrumental racional apologéticos. Neste sentido as verdades teologais são expostas em premissas e numa argumentação dedutiva lógica. Pelo viés da Disputatio a Teologia refuta os argumentos contrários a sua sacra doctrina e se auto afirma como Ciência. Vale ressaltar que só após esse período é que se utiliza conceitualmente o termo Teologia para os saberes referentes às coisas de Deus. A Suma Teológica de Santo Tomas é um exemplo de como a Teologia se estruturou mais categoricamente, discursivamente e metafisicamente (LIBANIO; MURAD, 2011, p. 111-116). Tais recursos facilitaram para que a Teologia possuísse uma estrutura sistemática mais elaborada acerca dos elementos importantes da fé cristã.
No período do Humanismo renascentista a Teologia retoma os escritos antigos e dá ênfase ao estudo da língua e traduções literárias. Os padres copistas da tradição medieval continuam no seu trabalho de tradução e interpretação dos escritos bíblicos. Porém, há uma preocupação maior com os saberes esquecidos pela tradição escolástica-aristotélica, como a poesia, a literatura, a prosa e a filologia, dentre outros. Há um valor relevante para com a cultura pré-cristã, um certo relativismo religioso e uma teologia voltada para o aspecto antropológico, com destaque nas experiências existenciais e culturais humanas. Nesse contexto os teólogos Erasmo de Roterdão e Pico Della Mirandola observam saberes de outras culturas e religiões em concórdia com o cristianismo. Mas uma figura emblemática na Teologia é Martinho Lutero que na viragem do humanismo renascentista retoma a Teologia, porém, fundamentada nos escritos bíblicos, na exclusividade de Jesus Cristo como autor único de Salvação e na predominância da Graça na vida do indivíduo. A postura luterana contribuirá para que na Modernidade e Pós-Modernidade se observe no campo fundamental e sistemático da teologia as Sagradas Escrituras e Jesus Cristo como a alma da Teologia.
No início da Modernidade, do século XVIII em diante, a Teologia é questionada pelos pensadores da dúvida. É o Iluminismo racionalista autônomo, as novas ciências humanas que surgem (sociologia e psicologia), as correntes teológicas protestante e reformistas, os diversos pensadores da dúvida, o secularismo e a cultura ateia que se manifesta no ethos social. Nesse contexto os elementos fundamentais e secundários da Teologia são colocados em questionamentos. E a postura apologética da Igreja persiste na explanação de suas verdade fundamentais e no decretar Anátema para os que discordavam de sua postura e doutrina de fundamento teológico.
A Teologia Fundamental no Concílio Vaticano II
Todavia, é no Concílio Ecumênico do Vaticano II que a teologia muda de uma postura defensiva e excludente do mundo e da sociedade moderna, para uma postura mais aberta, ecumênica e dialogal. É no florir do século XX para o XXI que a Teologia muda, não somente o seu discurso e postura, mas também a nomenclatura de uma Teologia apologética para uma Teologia Fundamental. Na modernidade e pós-modernidade conciliar a Teologia Fundamental assume o estatuto semântico, conceitual-conteudista e disciplinar.
Do Concílio Vaticano II à Contemporaneidade as questões referentes à Teologia Fundamental tiveram nova reflexão teológica e filosófica, assim como uma abertura dialogal às novas ciências que emergiram na sociedade e ao novo aparato tecnológico-instrumental-científico moderno e pós-moderno. Porém, duas tendências marcam a orientação da Teologia Fundamental: a primeira é a relação da Teologia com a Antropologia, em que o sujeito da experiência se torna o destinatário moderno e pós-moderno das verdades fundamentais da fé cristã. Essa abordagem antropológica tem como expoente teológico o jesuíta Karl Rahner (1904-1984). Para ele a Teologia se caracteriza como uma antropologia (LIBANIO, 2004, p. 32), pois a comunicação de Deus e a experiência humana possuem uma correspondência.
A segunda tendência se reporta à história. O mundo não se torna o lugar estranho ou de negação humana, mas realidade histórica, o lugar onde o ser humano se salva e onde a humanização acontece. Nesse sentido Rahner contribui na construção de uma Teologia que sustenta que a história da salvação realizada por Deus na história não é contraria à história da humanidade, mas se identifica com esta. Isto é, que a história da salvação é a história da humanidade. E que “é necessário dizer antes de tudo que a história do homem, verdadeiramente entendida, [...] é precisamente a história dum ser transcendental enquanto tal” (RANHER, 1965, p. 40). Tal história se relaciona diretamente com a nossa fé e com o modo de ser humano na história. Por isso que tal história faz parte dos elementos abordados na Teologia Fundamental.  
A Teologia Fundamental, na Modernidade do final do século XX para o século XXI, assumiu na América Latina o seu aspecto histórico, cultural, social e prático, como espaço importante de teologização. Deste modo a Teologia assumiu o adjetivo de Libertação, a partir de uma inspiração bíblico teológica, na leitura da realidade injusta, desigual e opressiva que se passou com a maioria do povo do continente latino-americano: os pobres (LIBANIO, 2004, p.  50). A Teologia Fundamental tratou de seus elementos categóricos- Revelação, Fé e Credibilidade- em relação com outros elementos teológicos como o Reino, Mundo e a Libertação. Nesse período a reflexão da teologia não se reporta predominantemente pela inter-relação fé/razão, sustentada na Idade Média e até por Bento XVI, mas pela inter-relação teoria/práxis. Esta inter-relação reflete: se realmente aquilo que se acredita tem efeito e concordância com a pratica do cristão ou se é pura ideologia. É nessa dialética que a Teologia tenta fazer um caminho coerente com suas verdades fundamentais em sintonia com a realidade da América Latina.
A Teologia Fundamental a partir dos documentos da Igreja das Conferências da América Latina
Após essa necessária exposição do percurso da Teologia Fundamental desde sua inspiração bíblica e histórica com a trajetória dos primeiros cristão até a contemporaneidade, se faz necessário observar os conteúdos dessa Teologia presentes em alguns documentos conciliares e nas duas conferencias da América Latina (Medellín e Puebla) para percebermos como o aspecto tri-categorial (Revelação-Fé-Credibilidade) da experiência teológica cristã marcou e delineou a Teologia Fundamental nos seus conteúdos e no ato do crer cristão até hoje. O aspecto tri-categorial se concretiza e se desenvolve em diversos períodos da história da Igreja. Eles se expressam nos diversos documentos da Igreja.
Na primeira parte do Concílio de Trento (1545-1563) encontramos nos documentos conciliares duas bases de fundamentação da Teologia, a saber, nas sagradas Escrituras e na Tradição (LIBANIO, 2004, p. 29). O Decreto sobre os livros sagrados e as tradições a serem acolhidas (1546) vai se ocupar de falar da natureza da Fé e relacionar a Revelação com o “Evangelho”, que deve ser pregado “‘a toda criatura’ [Mc 16,15] como fonte de toda a verdade salutar” (DH 1501), que conduz à nossa salvação e também é uma regra de costumes. Ora, a verdade de tal Fé está contida nos “livros escritos e nas tradições não escritas” (DH 1501). O Decreto trata dos elementos fundamentais transmitidos pela Igreja como “a verdadeira e são doutrina” (DH 1520). O aspecto da Credibilidade se situa no próprio Deus que é autor do Antigo e do Novo testamento (DH 1501). A Revelação também se relaciona com a Graça para a justificação do homem no Decreto sobre a justificação (1547). Porém, tal Graça não anula o arbítrio humano na sua adesão e resposta de Fé para a salvação humana. O significativo desse Decreto está na tensão entre a graça, a predestinação e a ação humana diante das posições errôneas e contrárias da reforma protestante. Tais ensinamentos se demonstram contrários à Teologia Fundamental da Igreja.
No Concílio Vaticano I (1869-1870) o aspecto tri-categorial da Teologia segue o recurso linguístico e argumentativo escolástico-tomista. A tensão contextual está na legitimidade da autoridade da Igreja, da infalibilidade papal, da explicação da fé católica e a doutrina a respeito da Igreja de Cristo.  Na Constituição Dogmática “Dei Filius” sobre a fé católica (1870) a perspectiva da Fé se situa no crê e confessar que “há um [só] Deus verdadeiro e vivo, Criador e Senhor do céu e da terra, onipotente, eterno, imenso, compreensível, infinito em intelecto. Vontade e toda a perfeição” (DH 3001). A Revelação perpassou o segundo capítulo, onde Deus se deu a conhecer pela via da razão humana, das coisas criadas, pelo conhecimento das suas obras, “mas que aprouve à sua misericórdia e bondade revelar-se à humanidade a si mesmo e os eternos decretos da sua vontade, por outra via, e esta sobrenatural, conforme diz o Apostolo” (DH 3004). A Credibilidade não se situa somente na ação divina de Deus, mas na própria condição humana que tem a possibilidade de encontrar-se com a verdade revelada, pois a Revelação divina pode ser conhecida por todos, “com firme certeza e sem mistura de erro, aquilo que nas coisas divinas não é por si inacessível à razão humana” (DH 3005). Nessa dinâmica o documento expressa a relação entre fé e razão: “Mas, ainda que a fé esteja acima da razão, jamais pode haver verdadeira desarmonia entre uma e outra [*2776; 2811], porquanto o mesmo Deus que revela os mistérios e infunde a fé, dotou os espírito humano da razão” (DH 3017). A credibilidade também se situa em “crer ‘ser verdadeiro o que Deus revelou’” (LIBANIO, 2004, p. 68)
Ainda no segundo capítulo, a Revelação de Deus é intermediada pelos “profetas” e expressa pelo “Filho” de Deus. A Revelação se situa 1) na relação com no conhecimento natural de Deus, 2) no aspecto sobrenatural, 3) na dupla necessidade da revelação sobrenatural, 4) nas escrituras e tradição e numa trajetória histórica e cultural 5) da tradição para o magistério eclesial (THEOBALD, 2006, p. 228-238).  O capítulo 3 trata especificadamente da Fé. Nesta somos obrigados a prestar “plena adesão do intelecto e da vontade” (DH 3008) a Deus que se revela.  A Fé e razão estão em sintonia. A autoridade e credibilidade de Deus que não pode se enganar e nem nos enganar é ressaltada. Porém a postura de Fé não pode ser “um movimento cego da alma” (DH 3010), mas sob a iluminação e a inspiração do Espírito Santo. O aspecto tri-conceitual da Teologia demarcou a resposta da Igreja para os erros das três correntes da Modernidade: o racionalismo, o materialismo e o ateísmo.
No Concílio Vaticano II (1962-1965) estamos diante de outra realidade que exige da Igreja uma reformulação teológica. A Teologia se situa numa necessidade de abertura para com o mundo, com um aprofundamento da vida cristã, uma adaptação à nova realidade “moderna”, para a promoção da unidade dos cristãos e o ardor missionário da Igreja. A Teologia esboça seu aspecto pastoral, com uma linguagem mais moderada e dialogal, porém sem desprezar os pontos essenciais do crer cristão. A Constituição dogmática sobre a Revelação divina “Dei verbum” (1965) foi a que mais tratou e desenvolveu o tema da Revelação. A Dei verbum subdivide-se em 7 capítulos, situando a Revelação nos seus princípios fundamentais (LIBANIO, 2004, p. 31) até seu modo de atuação e relação na vida da Igreja e do povo de Deus. De modo prevalente a Dei Verbum tratou da Revelação com a “sua plenitude e sua mediação absoluta na Palavra feita carne, Jesus Cristo” (RIVAS, 2015, p. 323). Tal constituição expressava uma abertura, diálogo e interação do Concílio com a Modernidade.
A Revelação é concebida como uma autocomunicação de Deus (RAHNER, 1989, p. 180 Rahner), de um Deus que se doa como Dom e Graça. Dessa relação comunicativa se desencadeia uma história de salvação pessoal e da humanidade. Há um modo de pensar a Revelação como um vínculo estreito de amizade com a criatura. “Mediante esta revelação, portanto, Deus invisível [cf. Cl 1,15; 1Tm 1,17], levado por seu grande amor, fala aos homens como a amigos” (DH 4203).  O aspecto da Fé está ligado à obediência “pela qual o homem livremente se entrega todo a Deus, prestando ‘ao Deus revelante plena adesão do intelecto e da vontade’ e dando voluntariamente assentimento à verdade por ele revelada” (DH 4205).   A Credibilidade se situa na própria Palavra de Deus que se fez carne, o Verbo divino que comunica “e consuma a obra salvífica que o Pai lhe confiou” (DH 4204). Por isso, “, ao qual quem vê o Pai [cf. Jo 14,9]. Por toda a sua presença e manifestação por palavras e obras, sinais e milagres, e especialmente por sua morte e gloriosa ressurreição dentre os mortos e, enfim, pelo envio do Espírito de verdade, realiza e completa a revelação, e confirma com testemunho divino de que Deus está conosco” (DH 4204). A Teologia desse Concílio está objetivada no aggiornamento da mensagem cristã para com as novas realidades modernas e pós modernas que surgem. A abertura da Teologia, numa perspectiva ecumênica e dialogal, não deixa perder de vista a essência e os fundamentos da crença e vida cristã.
Na América Latina pós conciliar é possível considerar como relevante à Teologia Fundamental as duas Conferências que marcaram significativamente a Teologia da América Latina, a saber, de Medellín e Puebla. As Conclusões da Conferência de Medellín (1968) tiveram a finalidade clara de renovar e aproximar do homem da América Latina o dom da Fé. A teologia de então acentuava a tomada de consciência das condições de exploração, escravidão, pobreza e miséria. “Essa miséria, como fato coletivo, é qualificada de injustiça que clama aos céus” (CCM, 2010, n. 1, p. 45).
A Teologia se fundamenta, então, a partir da ação de Deus que “envia seu Filho para que feito carne, venha libertar todos os homens, de toda as escravidões a que o pecado os sujeita: a fome, a miséria, a opressão e a ignorância, numa palavra, a injustiça e o ódio que têm sua origem no egoísmo humano” (CCM, 2010, n. 3, p. 46). O aspecto da Fé se situa nos princípios teológicos para uma pastoral e religiosidade popular. A Fé e a Igreja “semeiam-se e crescem na religiosidade culturalmente diversificada dos distintos povos. Fé, que embora imperfeita, pode encontrar-se ainda nos níveis culturais mais inferiores” (CCM, 2010, n. 5, p. 112). Na relação intrínseca da Fé com o Verbo, “a Igreja aceita com alegria e respeito, purifica e incorpora à fé os diversos ‘elementos religiosos e humanos’ que estão presentes nesse religiosidade como ‘semente oculta do Verbo’ e que constituem ou podem constituir uma ‘preparação evangélica’” (CCM, 2010, n. 5, p. 112). Na perspectiva da Conferência a “evangelização deve orientar-se para a formação de uma fé pessoal, adulta, interiormente formada, operante e constantemente em confronto com os desafios da vida atual” (CCM, 2010, n. 13, p. 120).
É no âmbito da catequese renovada que o documento expressa mais claramente a conexão da Revelação com a vida humana, numa unidade integradora entre a salvação humana e a história da mesma. Daí “deve-se expressar sempre a unidade profunda que existe entre o plano divino de salvação, realizado em Cristo, e as aspirações do homem [...]; entre a Igreja, Povo de Deus, e as comunidades temporais; entre a ação reveladora do Deus e a experiência do homem” (CCM, 2010, n. 4, p. 126). “De acordo com esta teologia da revelação, a catequese atual deve assumir totalmente as angústias e esperanças do homem do homem de hoje, para oferecer-lhe as possibilidades de uma libertação plena, as riquezas de uma salvação integral em Cristo, o Senhor” (CCM, 2010, n. 6, p. 127). Tal afirmação sobre a Revelação de Deus que se faz patente em Jesus Cristo, não somente é válida para a catequese formativa da evangelização, mas para todo o povo de Deus. Dai é possível perceber alguns princípios fundamentais da teologia que impulsionam o compromisso com a realidade social da América Latina.
As Conclusões da Conferência de Puebla (1979) se situam numa compreensão histórico-concreta da América Latina e da atuação da Igreja na mesma. O aspecto da Teologia latino-americana trata “da comunicação da Palavra e da Vida de Deus, que deve[...] ser luz e fermento de toda a vida humana” (CCP, 1987, n. 2, p. 51). A Teologia não está embasada no aspecto dogmático e nem pastoral, mas na incidência da evangelização no nosso continente. O crer cristão se relaciona com a comunhão e participação do povo na evangelização. É nesse percurso que podemos encontrar os elementos fundamentais da Teologia Latino-Americana. Tal Teologia tem como base o Evangelho. É a partir dele que podemos refletir para uma práxis transformadora da realidade de injustiça e miséria da América Latina. Assim a Teologia atua “num PROCESSO DINÂMICO E PERMANENTE de evangelização, de tal forma que todo o cultural, o político, o econômico, o social, seja lido e discernido a partir do Evangelho” (CCP, 1987, n. 5, p. 54).
A dimensão da Fé passa pelo prisma da Política no sentido aristotélico de direito natural e compromisso com a realidade social. A Fé insere o cristão “na realidade do homem latino-americano, realidade essa que é expressa em suas esperanças, em seus triunfos e suas frustrações. Impele-nos esta fé a discernir as interpelações de Deus nos sinais dos tempos” (CCP, 1987, n. 15, p. 91). O aspecto da Revelação de Deus, do livro do Êxodo e da Encarnação de Deus, em Jesus, está de modo atualizado em vista da realidade do “coração dos vários países que formam a AL” (CCP, 1987, n. 87, p. 105). Trata-se de “um clamor cada vez mais impressionante. É o grito de um povo que sofre e que reclama justiça, liberdade e respeito aos direitos fundamentais dos homens e dos povos” (CCP, 1987, n. 87, p. 105).
A Revelação em Cristo é “a verdadeira grandeza e só nele é que se conhece, em plenitude, a realidade mais profunda do homem” (CCP, 1987, n. 169, p. 121). “Revela-nos Cristo que a vida divina é comunhão trinitária. Pai, Filho e Espírito vivem, em perfeita intercomunhão de amor, o mistério supremo da unidade. Daqui procede toda comunhão, para grandeza e dignidade da existência humana” (CCP, 1987, n. 212, p. 131). Em Cristo somos “iluminados pela fé, situamo-nos na realidade do homem latino-americano. No aspecto da Credibilidade, é o Espírito de Cristo que impele cada um a anunciar o Evangelho e que, no fundo da consciência, faz aceitar e compreender a Palavra de salvação (CCP, 1987, n. 220, p. 133). A Fé se encarna, assume as culturas e busca o Reino de Deus que se faz na luta por justiça estrutural, social e pelo direito e dignidade humana.   

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